A DEVOÇÃO MARIANA NO CARISMA SALESIANO: UMA NARRATIVA ESPECIAL

A experiência mariana está na base do carisma salesiano. Desde os inícios do trabalho com os jovens, 08/12/1841, Dom Bosco não teve dúvida de que era ela a mãe cuidadora da sua obra. Com este artigo desejo apresentar o amadurecimento vocacional, tanto em Dom Bosco, como na minha experiência, como presença de Maria que cuida. Apresento também a arte como expressão da devoção a Maria e como ela se integra no seguimento de Jesus. Por fim, proponho a visibilidade mariana que caracteriza o carisma salesiano.


O carisma do fundador é sempre um poço de fecundas intuições e provocações. Dele podemos experimentar sempre o Vinho Bom e aprofundar nossa relação de fé, na força do Evangelho e no dom recebido pelo fundador(a). Neste intuito, organizei algumas reflexões sobre a presença mariana no núcleo do carisma salesiano, a partir de Dom Bosco e, como eu, herdeiro do carisma, vivo esta experiência no cotidiano da mística-sapiencial.


A presença mariana no amadurecimento vocacional de Dom Bosco e minha relação espiritual com Maria


É bom começar pelo fim. Era o dia 16 de maio de 1887. Dom Bosco estava em Roma, dois dias antes, 14/05, o cardeal Lúcio Maria Parochi, consagrou a Basílica do Sagrado Coração de Jesus, construída por Dom Bosco a pedido do papa Leão XIII. Devido ao estado de saúde precário: Dom Bosco estava meio cego, coxo, mudo e suas mãos tremiam sem forças até para escrever tinha dificuldade, ele não participou da cerimônia. Sentia que estava próximo de seu fim. No dia 16, após a grande festa, ele conseguiu presidir a missa no altar de Nossa Senhora Auxiliadora. Chorou convulsivamente durante toda a celebração. Quando retornou à sacristia revelou aos salesianos que um filme tinha passado por sua mente. As palavras de Maria, no sonho dos 9/10 anos de 1825, que se repetiu 18 vezes ao longo de sua vida, era uma realidade. No sonho, ela dizia: Torna-te humilde, forte, robusto...a seu tempo tudo compreenderás. De fato, agora era o tempo.


Desde menino, João estava venerava a Mãe de Deus com a palavra SENHORA, mãe grávida, muito comum na região de Morialdo, chamada também a Senhora do Castelo, A virgem do Rosário, Nossa Senhora das Graças, Virgem das Dores, Virgem da Consolata, Imaculada, enfim, a Auxiliadora dos Cristãos. Esta presença materna de Maria plasmou o coração do pastor dos Becchi piemontês do norte da Itália. Sua convicção profunda era que Maria tudo fez e faz na Congregação. Dom Bosco teve todos os sinais visíveis de que o carisma recebido e a Congregação salesiana era um milagre da intercessão de Maria. Aquela mão que, no sonho dos 9/10 anos, pousou sobre sua cabeça, permaneceu durante toda a sua vida e permanecerá em cada membro da sua Congregação.


Essa experiência da presença da Senhora eu também sinto hoje na minha vida salesiana. Um fato pode ajudar a entender melhor. Quando revelei aos meus pais o desejo de ser padre salesiano a reação foi divergente. Meu pai, militar, não aceitou. Ele bebia e usou da bebida para me intimidar. Minha mãe e minhas irmãs nunca se opuseram. Quando entrei no noviciado, levei no coração e na mente o peso da negativa do meu pai. Chegou até a dizer se caso eu deixasse tudo, não poderia mais voltar para casa. Na capela do noviciado tinha uma bela imagem de Nossa Senhora Auxiliadora. Eu me ajoelhei diante dela e pedi um sinal. Pedi que ela deveria dar um jeito na situação e fiz dois pedidos: que meu pai deixasse de beber e aceitasse a minha vocação. Anos depois, 1994, eu com dois anos de padre, estudante em Roma, perdi meu pai. Voltei ao Brasil para o funeral. Dias depois, com minha mãe e irmãs, começamos a rever vários documentos do meu pai e encontrei um álbum. Em cada página uma lembrança desde a minha saída de casa até minha ordenação. Fotos, cartas, santinhos, tudo carinhosamente guardado por ele. Minha mãe não sabia da existência daquele álbum. Ele organizava tudo em segredo. Diante daquilo, eu perguntei se o motivo da morte tinha sido a bebida e, para minha surpresa, minha mãe revelou que desde fevereiro de 1982, ano do meu noviciado até a morte, papai deixou radicalmente de beber. Depois perguntei sobre a aceitação da minha vocação e ela me disse: “seu pai era mais contente do que você. Ele tinha grande orgulho de ter um filho padre”. Não consegui segurar as lágrimas. Imediatamente recordei aquele pedido a Maria. Ela me atendeu. Como não reconhecer neste sinal, nem vou mencionar outros, a vontade de Deus que se revelou a mim pelo carinho materno da mãe Auxiliadora?


Assim foi sendo configurada uma intimidade filial entre um filho, às vezes até rebelde, e uma mãe solícita que, com sinais muito íntimos me ensinou a despertar para a generosidade da resposta vocacional. Ela estava sempre ali, atenta, como nas bodas de Caná, e sempre me recordou que é preciso fazer tudo o que Jesus manda fazer. Aos poucos, aprendi que era necessário encher sempre as talhas de água, abastecer a lamparina com o combustível da escuta atenta, da paciência, da humildade, da busca constante da Palavra, do serviço responsável ao povo de Deus, do sim cotidiano consciente e sem medo, confiando sempre em suas palavras: “Faça-se em mim segundo a tua Palavra”.  


Maria é a Senhora de muitos nomes e raças. Isto me faz recordar uma famosa homilia do padre Antônio Vieira sobre o nascimento de Maria:

Quereis saber quão feliz, quão alto é e quão digno de ser festejado o Nascimento de Maria? Vede o para que nasceu. Nasceu para que dela nascesse Deus.

(…) Perguntai aos enfermos para que nasce esta celestial Menina, dir-vos-ão que nasce para Senhora da Saúde; perguntai aos pobres, dirão que nasce para Senhora dos Remédios; perguntai aos desamparados, dirão que nasce para Senhora do Amparo; perguntai aos desconsolados, dirão que nasce para Senhora da Consolação; perguntai aos tristes, dirão que nasce para Senhora dos Prazeres; perguntai aos desesperados, dirão que nasce para Senhora da Esperança.

Os cegos dirão que nasce para Senhora da Luz; os discordes, para Senhora da Paz; os desencaminhados, para Senhora da Guia; os cativos, para Senhora do Livramento; os cercados, para Senhora da Vitória.


Dirão os pleiteantes que nasce para Senhora do Bom Despacho; os navegantes, para Senhora da Boa Viagem; os temerosos da sua fortuna, para Senhora do Bom Sucesso; os desconfiados da vida, para Senhora da Boa Morte; os pecadores todos, para Senhora da Graça; e todos os seus devotos, para Senhora da Glória.

E se todas estas vozes se unirem em uma só voz, dirão que nasce para ser Maria e Mãe de Jesus. 


(Sermão do Nascimento da Mãe de Deus, www.literaturabrasileira.ufsc.br/_documents/0006-02946.html, acesso 23/09/2019.)

Aproprio-me desta reflexão para manifestar minha gratidão e minha experiência com esta Mãe de tantos nomes e de todos os momentos.

 
Indique a um amigo
 
 
Mais artigos